No coração de Vila de Frades, região da Vidigueira, Inês Santana e Teresa Caeiro, duas jovens enólogas e amigas de longa data, decidiram resgatar a tradição do vinho de talha, uma técnica secular que remonta aos tempos romanos. Com formação em enologia e um profundo respeito pela cultura vinícola do Alentejo, elas lideram a Gerações da Talha, uma marca dedicada a honrar as castas autênticas da região e a preservar o vinho de talha, utilizando métodos naturais e ancestrais.
A adega onde o projeto se desenvolve é histórica, com cerca de 250 anos, e pertenceu à família de Teresa, que herdou de seu bisavô e pai o conhecimento e o compromisso com essa tradição.
A Arte do Vinho de Talha e a Festa de São Martinho
A produção do vinho de talha é mais que uma técnica: é um ritual que conecta a comunidade. Em Vila de Frades, o vinho é celebrado no dia 11 de novembro, dia de São Martinho, quando as talhas são abertas em uma festividade que une os cerca de 700 habitantes em torno de mais de 50 adegas locais. Esse momento simboliza a preservação de um costume que atravessa gerações e reforça a importância do vinho na cultura local.
Processo Artesanal e Vinhos de Produção Limitada
A Gerações da Talha adota uma produção artesanal e de baixa intervenção, em que são utilizadas apenas leveduras naturais, presentes na casca da uva. Esse método confere aos vinhos uma autenticidade rara e uma identidade marcante. Entre os rótulos produzidos, estão o Natalha Branco, Tinto e Palhete, além de edições limitadas, como o Farrapo, uma homenagem aos habitantes locais conhecidos como “farrapeiros”. Com cerca de 12 mil garrafas por ano, a marca propõe vinhos de perfil leve e fácil de degustar, desafiando o estereótipo dos vinhos de talha mais alcoólicos e intensos.
Castas Tradicionais e o Blend de Campo
A viticultura na Vidigueira é fortemente influenciada pelas castas regionais, incluindo antão vaz, roupeiro, perrum, larião, diagalves, mantenso e rabo de ovelha. A técnica do “blend de campo” é essencial para a produção, pois consiste na colheita e fermentação conjunta das diversas castas, uma prática que valoriza o terroir da região e confere ao vinho uma personalidade única e autêntica. Segundo Inês Santana, essas castas são como temperos que enriquecem o vinho, preservando a identidade e o patrimônio local.
Expansão e Reconhecimento Internacional
Embora a produção da Gerações da Talha seja limitada, os vinhos já conquistaram um público fora do Alentejo, especialmente em Lisboa, Porto e na Ilha da Madeira, além de exportações para mercados como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, Bélgica e Holanda. Essa aceitação internacional reflete o interesse crescente por vinhos de produção artesanal e revela o potencial dos vinhos de talha no cenário global.
O Processo Tradicional de Fermentação
Após a colheita, as uvas passam por um desengaçador para preservar a integridade dos bagos, e são fermentadas com leveduras naturais. Durante a fermentação, o dióxido de carbono gerado é cuidadosamente liberado manualmente, enquanto o conteúdo da talha é constantemente misturado para evitar acúmulo de pressão. O processo dura até três meses, quando as peles e sementes se sedimentam no fundo da talha, resultando em vinhos robustos, complexos e cheios de personalidade.
Uma Adega Familiar com Raízes Centenárias
A adega da Geração da Talha é administrada pela mesma família há várias gerações, passando do bisavô Francisco Nogueira Anacleto ao seu genro, o professor Arlindo Ruivo, que dedicou sua vida ao ofício do vinho de talha e transmitiu essa paixão a sua filha e a sua neta, agora à frente do projeto. Hoje, Inês e Teresa reúnem esse legado com uma visão contemporânea, mantendo as práticas antigas em um espaço que é um verdadeiro patrimônio histórico.
Um Vinho de Perfil Tânico para Harmonizar com a Gastronomia Alentejana
Os vinhos de talha passam por uma longa curtimenta com as cascas e sementes das uvas, processo que resulta em vinhos de taninos marcantes e sabor seco, ideais para harmonizar com a culinária do Alentejo. Os vinhos acompanham bem queijos, enchidos e pratos de porco, proporcionando uma experiência gastronômica que valoriza a tradição e o terroir.
Notas Fumadas e a Impermeabilização das Talhas
A impermeabilização dos potes de barro é uma característica única do vinho de talha. Uma mistura de resina de pinheiro e cera de abelha é queimada no interior dos potes, conferindo aos vinhos um aroma sutilmente defumado. Essa prática, além de garantir a conservação do vinho, adiciona uma nota sensorial especial, conectando o sabor à história e à terra de onde vem.
Uma Experiência Sensorial
A degustação de um vinho da Gerações da Talha é uma experiência que conecta o apreciador com a história milenar desse método romano de vinificação. Cada gole revela nuances e sabores autênticos, fruto da dedicação à preservação de uma técnica ancestral. A Gerações da Talha, ao combinar tradição e inovação, oferece uma verdadeira viagem ao passado, proporcionando uma experiência genuína e única, alinhada ao rico patrimônio cultural do Alentejo.