Um castelo de Fitapreta

Europa

Um castelo de Fitapreta

POR Mary de Aquino

janeiro 15, 2025

Localizada em um pedaço do Alentejo quase esquecido pelo tempo, um projeto vinícola especial vem ganhando vida. Essa iniciativa, que se dedica ao cultivo de castas quase extintas e ao resgate de métodos de cultivo tradicionais, busca a harmonia entre vinhedos e natureza, sem abrir mão da autenticidade alentejana. Um pedaço do Alentejo que ninguém conhecia, destaca a dedicação em manter vivas as castas locais e os ensinamentos transmitidos ao longo de gerações.

O projeto começou com a restauração de um edifício histórico praticamente em ruínas: o Paço do Morgado de Oliveira, uma casa fortificada datada do século XIV, de 1390.

A Fitapreta, vinícola alentejana fundada em 2004, tem conquistado reconhecimento pela qualidade de seus vinhos e pelo compromisso com a autenticidade. 

Apesar de operar inicialmente em instalações alugadas e com vinhas arrendadas, o projeto cresceu e se consolidou, culminando na aquisição de uma sede própria em 2016. A compra do edifício em 22 de dezembro de 2016 marcou um novo capítulo para a empresa, que, até então, dependia de vinhedos alugados e instalações temporárias.

A propriedade de 130 hectares inclui 30 hectares de vinhedos e áreas de montado, além de outras culturas. Na reestruturação, a equipe se dedicou a preservar os ecossistemas originais, mantendo árvores e pedras no mesmo local e construindo abrigos para aves de rapina, corujas e morcegos, contribuindo para o equilíbrio ambiental.

Um passo importante na independência produtiva foi dado em 2017, quando a Fitapreta plantou a sua primeira vinha no Morgado de Oliveira. Já em 2018, a empresa adquiriu a icônica vinha do Chão dos Eremitas, localizada no sopé da Serra d’Ossa, de onde vem a casta Tinta Carvalha, símbolo da vinícola e do terroir alentejano.

Com uma trajetória marcada por crescimento e compromisso com a viticultura alentejana, a Fitapreta continua a investir na sua estrutura e na formação de uma equipe dedicada, consolidando-se como uma referência de qualidade e inovação no mercado de vinhos em Portugal.

Um Projeto Idealizado por Jovens Visionários

O projeto é fruto da visão e persistência da parceria entre António Maçanita, engenheiro e enólogo renomado, e o viticultor David Booth. Maçanita com 24 anos na época e experiência em vinícolas da Califórnia, Austrália e Bordeaux, retornou a Portugal com a ambição de criar vinhos autênticos. Sem herança de vinhedos ou adega, começou arrendando pequenas parcelas para plantar uvas indígenas portuguesas, com foco em castas tradicionais alentejanas. Com a ajuda de amigos e familiares, conseguiram lançar o projeto, que já celebra 20 anos de produção. A enóloga Sandra Sárria, sócia da vinícola, também desempenha um papel central na produção junto com Maçanita.

A Fitapreta ainda conta com uma equipe de cinco enólogos residentes: Patrícia Nunes, Jéssica Mesquita, Pedra Adegas, Maria Madalena Borges e Maria Margarida Borges. Todos contribuem com sua expertise para garantir a qualidade e originalidade dos vinhos. 

André Alves, diretor operacional do enoturismo, é responsável por recepcionar os grupos e guiar os visitantes em uma experiência completa.

No setor de enoturismo, a empresa conta com uma equipe de 12 profissionais para receber e organizar atividades para os visitantes. À frente desse departamento está Alexandra Leroy Maçanita, responsável por proporcionar uma experiência autêntica e imersiva a quem visita a Fitapreta.

A Sustentabilidade da Fitapreta

O respeito pela terra é uma prioridade no Paço do Morgado de Oliveira. Desde o início, os responsáveis pelo projeto decidiram não interferir nos ecossistemas existentes. Para proteger o vinhedo de pragas, abrigos foram instalados para acolher predadores naturais, como aves e morcegos, evitando o uso de pesticidas. Além do vinho, a propriedade produz azeite com oliveiras locais e até mel, ampliando o compromisso com a sustentabilidade e o aproveitamento integral dos recursos naturais.

Resgate de Castas Ancestrais

Além do compromisso ambiental, o projeto busca trazer de volta o sabor dos vinhos ancestrais da região. Estudos históricos indicam que, na propriedade, produzem-se vinhos desde o século XIX. Recentemente, um vinho especial foi lançado em homenagem a essa tradição, seguindo notas de degustação documentadas em registros históricos de 1857. A linha inclui castas tradicionais como trincadeiras e roupeiros, em uma busca pela autenticidade dos sabores.

A equipe do Paço do Morgado de Oliveira celebra, atualmente, duas décadas de sucesso e tradição renovada, trabalhando para preservar a história e o meio ambiente. Com as técnicas e infraestrutura desenvolvidas, o projeto se tornou um símbolo de renascimento para o Alentejo, unindo passado e futuro em cada garrafa produzida.

A Prova de Vinhos Dinâmica

Tiago Sobral, arquiteto do projeto da loja, mesclou o antigo com o atual, mantendo ferros pretos, madeira e vidros, entre paredes históricas. Para aguçar a compra das 300 mil garrafas produzidas anualmente.

A degustação começa com uma prova dinâmica de vinhos, onde os visitantes são apresentados a alguns dos principais rótulos da vinícola, cada um servido em um ambiente específico, explorando arquitetura, história e vinhos de modo inusitado e imersivo. No primeiro ambiente o Fitapreta Branco – O Ancestral é servido no Wine Bar da Fitapreta. A Trincadeira das Pratas – Chão dos Eremitas é servido na Adega do Enxarrama e o Baga ao Sol disponível na Adega de Brancoa abre o apetite e convida a sentar-se à mesa para uma experiência mais completa ao paladar.

O Chef Afonso Dantas 

Após a prova de vinhos, a experiência se expande para uma degustação gastronômica elaborada pelo jovem chef madeirense Afonso Dantas, que interpreta os sabores do Alentejo de maneira contemporânea e surpreendente. A refeição, realizada na tribuna da capela, é dividida em cinco momentos, cada um harmonizado com um vinho distinto.

No primeiro momento os snacks iniciais, o prato é o Tártaro de lúcio-perca com tangor, torricado de veado com óleo de barrica e coscorões de massa mãe com borrego, na taça o espumante Fitapreta Rosé NV.

Esse primeiro momento oferece uma introdução leve e sofisticada, onde os sabores de peixes e carnes são acompanhados pelo frescor do espumante rosé, elevando os aromas e realçando a textura dos snacks.

No segundo momento o Pregado com Toques Alentejanos, que, na prática, é o pregado com funcho, beurre blanc de ovelha e figueira, na taça o Morgado Oliveira NV, destacando as características herbáceas e levemente frutadas do vinho.

No terceiro momento Dantas recria o prato mais popular do Alentejo, o Cachaço de Porco Preto, que leva cogumelos e jus de porco com mostarda, um espetáculo à parte acompanhado pelo deslumbre do vinho Preta 2021.

A sofisticação do quarto momento é de fazer o cliente beijar o solo abençoado alentejano com a magnífica sobremesa de Laranja, Mel e Açafrão, fechando com chaves de selenita laranja para representar a energia, criatividade, entusiasmo, alegria e vitalidade do chef Afonso Dantas, a sobremesa à base de laranja é acompanhada pelo vinho Laranja Mecânica NV, uma combinação que explora o contraste entre doçura e acidez, trazendo frescor e vivacidade ao paladar.

O vinho laranja é feito a partir de uvas-brancas submetidas a um processo especial de vinificação, onde a segunda e terceira prensagem das uvas, que possuem mais contato com as cascas, resultam em maior concentração e maceração, dando uma cor e riqueza distintivas. Esse método traz complexidade e corpo ao vinho, tornando-o semelhante aos vinhos históricos preferidos pela nobreza devido à sua cor e densidade.

Ainda há um quinto momento, quase bíblico o Pão e o Vinho, para comer com os olhos e beber a Tinta Carvalha 2022, um espetáculo.

A experiência é personalizada por grupo, então nem sempre serão servidos os mesmos vinhos e o mesmo menu.

créditos: Fabrice Demoulin

O nome Fitapreta

O nome Fitapreta veio de um apelido de uma família amiga dos Açores. O pai de António Maçanita é de São Miguel, e ele passava férias lá, onde visitava a casa dos Fitapreta, uma família conhecida por um ancestral que usava uma fita preta no rosto. O nome ficou marcado para Maçanita por ser impactante e fácil de lembrar. Quando ele e David Booth fundaram a empresa, decidiram adotar esse nome após várias sessões de brainstorming, pois ainda não tinham adega, vinha ou quinta. O logo da marca é formado pelos perfis dos dois fundadores.

Compartilhar

Destaques

Recomendado